A
busca por um novo rumo para a Over Action parecia incansável, no estúdio e nas
reuniões de guitarras entre Rodrigo e eu. Das então novas canções eu me lembro
bem de “Crucified In Vain”, composição de Rodrigo e Wagner. Talvez a música mais
complexa da banda.
A
complexidade, aliás, tinha se tornado uma espécie de obsessão por parte de
Rodrigo em seus arranjos. Isso se deu, talvez, por conta de sua facilidade em
pensar a música harmonicamente, ou seja, compor já pensando em todas as linhas,
de baixo, guitarra, bateria e vocal.
O
fato de Rodrigo já chegar, na maioria das vezes, com a música pronta no estúdio
nunca nos incomodou, mas havia ali uma nova integrante, acostumada a outro tipo
de processo criativo, creio eu. Andrea parecia, cada vez mais, não concordar
com a “tirania” (como ela mesma classificou) de Rodrigo.
Rodrigo,
um tirano? Longe disso. Eu sempre o encarei como o mais talentoso entre nós. E
por isso mesmo que sempre aceitei o seu modo de produção. O que ele poderia
fazer? Ele compunha em mais quantidade qualidade que nós, não havia do que
reclamar. Mesmo.
No
fundo, eu sentia que Andrea, mesmo sendo uma excelente cantora, não possuía a
capacidade vocal suficiente para suprir a necessidade das piruetas imaginadas
por Rodrigo em suas canções. Não era extensão vocal que faltava em Andrea, mas
noção de divisão mesmo, métrica, ritmo.
Durante
as semanas que Andrea assumiu os vocais da Over Action, sabe qual foi a
evolução? Nenhuma. Nada parecia funcionar. Conclusão: saímos do caminho certo
para um caminho errado, não por falta de qualidade, mas por pura incompatibilidade.
Definitivamente, e agora sem sombra de dúvida, a banda éramos nós quatro. Rodrigo,
Renato, Leo e eu.
A
saída de Andrea não foi nada amigável. Todo o trabalho rendeu apenas um imenso
e malcriado e-mail na caixa do Rodrigo. Faz parte.
Imagine
um vaso barroco. Cheio dos rococós em sua pintura. Tudo o que se vê são
detalhes e mais detalhes. Detalhes estes que o classificam como barroco! Daí
vem um artista contemporâneo e cisma de reinventá-lo, adicionando novos
elementos àquela pintura. Digamos então que tal intervenção fique uma merda! Os
traços “modernos” do novo artista não têm nada a ver com os barrocos de antes.
O que fazer? A merda já foi feita e remover os traços equivocados dará um
trabalho enorme ao restaurador. Foi assim que enxerguei a Over Action depois de
Andrea.
Nós
poderíamos recomeçar de onde paramos. Retomar às (antigas) novas composições,
mas como eu disse, a merda já tinha sido feita. O desgaste, o tempo perdido,
parece que tudo pesou. Minha “depressão pós-ensaio” se chegava ainda mais
forte. Faltaram-me forças, confesso. Meu sonho de viver da música se
distanciava cada vez mais da Over Action. Àquela altura, o projeto de disco
conceitual eu já tinha deixado de lado e passava a ouvir mais João Gilberto e
Los Hermanos que qualquer outra coisa.
Eu
não me lembro de como saí da banda, mas me recordo bem do meu último show com
ela. Foi em Olaria, numa casa horrorosa com uma pá de bandas toscas. Um show em
que mais uma vez fomos os últimos a tocar. Seríamos os primeiros, como sempre,
mas não fomos. Rolou um sorteio, o clássico sorteio, mas uma banda chamada
Neandertal – dona de praticamente 70% do público presente –, que alegava estar
com hora marcada para outro show, longe dali, e que precisavam tocar
imediatamente. Renato estava colocando o contrabaixo em seu suporte, quando um
deles chegou e:
–
Somos nós quem vamos tocar!
–
Mas rolou um sorteio – disse Renato ao cidadão mal encarado.
–
Foda-se o sorteio!
Procuramos
o organizador do “evento”, que disse apenas:
– Os
deixem tocar, na boa. Acho que eles estão até armados.
Tocamos
para umas vinte pessoas, mais ou menos e é só isso que tenho a dizer sobre. Ah!
Esse show nós temos gravado até hoje.
Nesse
dia, me lembro, eu olhei para Fabiana, na época minha namorada, e disse:
–
Chega.
Larguei
o Heavy Metal, mas a música não, nunca. Depois disso ingressei em outros
projetos, mas algo me dizia que uma hora o sonho acabaria. Logo que a paixão
dava lugar às obrigações, as bandas passavam a me estressar mais que qualquer
outra coisa. Hoje minha relação com a música é como a de quem visita um primo
distante. Prazerosa e rara.
[FIM]