quinta-feira, 23 de maio de 2013

OS BASTIDORES DOS BASTIDORES: A minha história numa banda de Heavy Metal – Final


A busca por um novo rumo para a Over Action parecia incansável, no estúdio e nas reuniões de guitarras entre Rodrigo e eu. Das então novas canções eu me lembro bem de “Crucified In Vain”, composição de Rodrigo e Wagner. Talvez a música mais complexa da banda.

A complexidade, aliás, tinha se tornado uma espécie de obsessão por parte de Rodrigo em seus arranjos. Isso se deu, talvez, por conta de sua facilidade em pensar a música harmonicamente, ou seja, compor já pensando em todas as linhas, de baixo, guitarra, bateria e vocal.

O fato de Rodrigo já chegar, na maioria das vezes, com a música pronta no estúdio nunca nos incomodou, mas havia ali uma nova integrante, acostumada a outro tipo de processo criativo, creio eu. Andrea parecia, cada vez mais, não concordar com a “tirania” (como ela mesma classificou) de Rodrigo.

Rodrigo, um tirano? Longe disso. Eu sempre o encarei como o mais talentoso entre nós. E por isso mesmo que sempre aceitei o seu modo de produção. O que ele poderia fazer? Ele compunha em mais quantidade qualidade que nós, não havia do que reclamar. Mesmo.

No fundo, eu sentia que Andrea, mesmo sendo uma excelente cantora, não possuía a capacidade vocal suficiente para suprir a necessidade das piruetas imaginadas por Rodrigo em suas canções. Não era extensão vocal que faltava em Andrea, mas noção de divisão mesmo, métrica, ritmo.

Durante as semanas que Andrea assumiu os vocais da Over Action, sabe qual foi a evolução? Nenhuma. Nada parecia funcionar. Conclusão: saímos do caminho certo para um caminho errado, não por falta de qualidade, mas por pura incompatibilidade. Definitivamente, e agora sem sombra de dúvida, a banda éramos nós quatro. Rodrigo, Renato, Leo e eu.

A saída de Andrea não foi nada amigável. Todo o trabalho rendeu apenas um imenso e malcriado e-mail na caixa do Rodrigo. Faz parte.

Imagine um vaso barroco. Cheio dos rococós em sua pintura. Tudo o que se vê são detalhes e mais detalhes. Detalhes estes que o classificam como barroco! Daí vem um artista contemporâneo e cisma de reinventá-lo, adicionando novos elementos àquela pintura. Digamos então que tal intervenção fique uma merda! Os traços “modernos” do novo artista não têm nada a ver com os barrocos de antes. O que fazer? A merda já foi feita e remover os traços equivocados dará um trabalho enorme ao restaurador. Foi assim que enxerguei a Over Action depois de Andrea.

Nós poderíamos recomeçar de onde paramos. Retomar às (antigas) novas composições, mas como eu disse, a merda já tinha sido feita. O desgaste, o tempo perdido, parece que tudo pesou. Minha “depressão pós-ensaio” se chegava ainda mais forte. Faltaram-me forças, confesso. Meu sonho de viver da música se distanciava cada vez mais da Over Action. Àquela altura, o projeto de disco conceitual eu já tinha deixado de lado e passava a ouvir mais João Gilberto e Los Hermanos que qualquer outra coisa.

Eu não me lembro de como saí da banda, mas me recordo bem do meu último show com ela. Foi em Olaria, numa casa horrorosa com uma pá de bandas toscas. Um show em que mais uma vez fomos os últimos a tocar. Seríamos os primeiros, como sempre, mas não fomos. Rolou um sorteio, o clássico sorteio, mas uma banda chamada Neandertal – dona de praticamente 70% do público presente –, que alegava estar com hora marcada para outro show, longe dali, e que precisavam tocar imediatamente. Renato estava colocando o contrabaixo em seu suporte, quando um deles chegou e:

– Somos nós quem vamos tocar!

– Mas rolou um sorteio – disse Renato ao cidadão mal encarado.

– Foda-se o sorteio!

Procuramos o organizador do “evento”, que disse apenas:

– Os deixem tocar, na boa. Acho que eles estão até armados.

Tocamos para umas vinte pessoas, mais ou menos e é só isso que tenho a dizer sobre. Ah! Esse show nós temos gravado até hoje.

Nesse dia, me lembro, eu olhei para Fabiana, na época minha namorada, e disse:

– Chega.

Larguei o Heavy Metal, mas a música não, nunca. Depois disso ingressei em outros projetos, mas algo me dizia que uma hora o sonho acabaria. Logo que a paixão dava lugar às obrigações, as bandas passavam a me estressar mais que qualquer outra coisa. Hoje minha relação com a música é como a de quem visita um primo distante. Prazerosa e rara.

[FIM]

quarta-feira, 22 de maio de 2013

OS BASTIDORES DOS BASTIDORES: A minha história numa banda de Heavy Metal – Parte XII


Como adiantei no capítulo anterior, a gente já vinha compondo material para um próximo EP, e nesse lance a banda contava com duas frentes de ação: uma era eu, com a ideia fixa de compor um disco inteiro tratando do mesmo tema – influência clara dos discos do King Diamond –, e a outra era Rodrigo e seu primo Wagner.

Durante esse período a banda passou a ensaiar com menos frequência e as discussões sobre o futuro da Over Action estavam sempre na pauta das conversas que eu tinha com Rodrigo ao telefone – Rodrigo e eu costumávamos passar horas ao telefone conversando sobre diversos assuntos, mas quase sempre era sobre a banda mesmo.

A gente vinha recebendo algumas críticas sobre o vocal de Rodrigo, mas também, no fundo, achava que tal estranhamento por parte das críticas era bobagem; que Rodrigo tinha, sim, o que melhorar, mas que estava no caminho certo, assim como todo o restante da Over Action. Mas, com esse assunto de “um novo vocalista” nos rondando tanto, creio que chegou um momento em que o próprio Rodrigo começou a questionar-se como vocalista. É aquela velha história: água mole em pedra dura...

Nesse mesmo tempo, sabe-se lá o porquê – na verdade eu sei, mas deixa pra lá –, Andrea deixava os vocais da Awake. A notícia chegou até nós pelo Flávio, dono do estúdio onde a Over Action e a Awake ensaiavam. Acho que todos nós pensamos a mesma coisa: e se a Andrea viesse para a nossa banda?

Sinceramente, eu não me recordo de quem chegou em quem, ou seja, se nós fizemos o convite, se ela se ofereceu para o cargo ou se o próprio Flávio tratou de nos unir. Só sei que num belo dia a Andrea apareceu em um de nossos ensaios para conhecer melhor a nossa proposta.

Tocamos nossas músicas, batemos um papo e parece que a vocalista de pele alva e cabelos artificialmente ruivos curtiu bastante. Até que um trato se fez presente:

– OK! Façamos o seguinte – disse-nos Andrea –, no próximo ensaio, vocês tocam “On Must Surfaces”, do The Gathering, e eu canto uma do repertório de vocês.

Ótimo! Mas que diabo era The Gathering? Acho que ali no estúdio só o Leo conhecia, porque curtia esse lance de Doom Metal. Enfim, tivemos que conhecer a banda holandesa, afinar a sexta corda de nossas guitarras em ré e tirar, nota por nota, todo o arranjo de “On Must Surfaces” – ótima música, diga-se de passagem!

Fizemos então um ensaio anterior ao que faríamos com Andrea SÓ para essa música. Lembro que curtimos muito executá-la, pois tinha uma levada diferente do que costumávamos compor e tocar. Serviu-nos como um desafio.

No dia marcado, lá estava Andrea para o nosso teste. Nosso, sim, porque também estávamos sendo testados. Afinal, Andrea queria saber se estávamos à altura da Awake – e dela também, talvez.

Primeiro resolvemos tocar a música do The Gathering. A gente estava muito afiado. Lembro-me do semblante surpreso de Andrea ao executarmos de forma idêntica os primeiros acordes de “On Must Surfaces”. Bastante empolgada com a situação, a ruiva soltou seu vozeirão e, claro, se saiu muito bem.

OK! Missão cumprida! Mas faltava a parte dela no trato. Era chegada a hora de Andrea cantar uma música nossa. Se não me engano, a escolhida fora “The Winner” ou “The Last Dance”. E adivinha só o que aconteceu! Um fiasco...

A gente não ouvia a voz dela e ela esquecia a letra com facilidade. Acho que alguém ali não fizera o dever de casa. Na certa Andrea nem esperava que cumpríssemos o trato com tanto afinco e acabou relaxando.

No balanço final, acabamos achando que era um problema de tonalidade; afinal, a música havia sido composta para uma voz grave, masculina, e não o oposto. Perdoamos a falha e Andrea fazia agora, oficialmente, parte da Over Action. Não sei como a Awake encarou tal notícia, mas não recebemos nenhum tipo de comunicado por parte deles.

Com isso, as composições de Rodrigo e Wagner começavam a rumar para algo que ia de encontro ao estilo vocal de Andrea. Riffs mais pesados e cadências mais lentas eram o foco dos dois primos. Eu continuava na minha obsessão em dar continuidade à história contada em “Spiritual Hole”, mas sem muito sucesso.

Confesso que, mesmo diante de uma mudança bacana na estrutura da banda, o cansaço e a urgência de tomar um rumo mais sério para a minha vida me pegavam de jeito. Eu sofria – e sofri até meus últimos ensaios com bandas, em 2008 – de um mal que apelidei de “depressão pós-ensaio”. Logo após os encontros semanais, a minha vontade era sempre a de sair, largar tudo. O que me manteve nessas bandas foi mesmo o meu autocontrole.

Nesse período de incertezas, acabei me aproximando mais de uma paixão antiga: o violão clássico. Paralelamente à Over Action, eu compunha algumas peças para uma suíte chamada “Vale das Flores”, uma espécie de trilha sonora para um pequeno texto que havia escrito. Eu também já tocava em algumas bandas de Pop e meus ouvidos já entravam num processo de enjoo de distorções muito pesadas.

Dos ensaios com Andrea me recordo muito pouco – talvez, por eu já não estar mais tão presente. Mas me lembro das situações embaraçosas, como quando Andrea não conseguia assimilar as (complexas) linhas vocais das novas canções compostas por Rodrigo. Era o início de uma pequena guerra entre os dois.

[Continua]

domingo, 4 de novembro de 2012

OS BASTIDORES DOS BASTIDORES: A minha história numa banda de Heavy Metal – Parte XI


Após aquele (engraçado) episódio em Nilópolis, com a banda Akael, naquele mesmo mês de agosto ainda teríamos mais um compromisso na agenda: no dia 31, o I Festival Nikity Rock, marcado para ser realizado em um antigo sobrado ao lado do DCE da Universidade Federal Fluminense.

Ficamos sabendo que o line up do festival contava também com uma banda muito interessante chamada Awake, que ensaiava no mesmo estúdio que nós, o do Flávio. Eles faziam um som muito pesado, baseado em Black Sabbath e Doom Metal. Com músicos muito bons, a Awake ainda tinha a “cereja do bolo”: Andrea PA.

Andrea era uma vocalista que trazia consigo tudo o que uma banda precisava ter no front: visual – a menina era tinha influências góticas quando se produzia, fazendo com que sua pele alva, coberta de tatuagens, se contrastasse de forma muito interessante com o negro que vestia –, boa extensão vocal – que alcançava bons agudos sem deixar de lado um grave poderosíssimo! – e presença de palco!

O Flávio me falara muito bem da Andrea e da Awake e nossas bandas já haviam se cruzado no estúdio dele. Enquanto esperávamos o nosso horário, por vezes pudemos ouvir as marteladas que vinham de dentro do estúdio; eram eles.

No dia do “show do sobrado, como de costume, chovia muito. Aliás, a chuva era algo que parecia perseguir a Alone In The Tour. O tal sobrado fedia a mofo e era coberto de estrelas do PT, o que denunciava ter sido ali um antigo comitê político, ou algo do gênero. Os shows aconteceriam no andar de cima, mas primeiro teríamos que realizar o clássico sorteio, que definiria a ordem das bandas naquela noite.

Além de nós e da Awake ainda deviam fazer parte do line up umas três bandas, ou seja, quem se apresentasse por último pegaria o final da festa...  Os eventos underground sempre – repito: sempre! – foram muito desorganizados e os horários nunca – repito: nunca! – eram respeitados. O sorteio foi feito e, veja você!, ficamos em primeiro! Entraríamos no palco, tocaríamos, tomaríamos umas cervejas, assistiríamos a Awake e rua! Mas, eu não me lembro bem o porquê, acho que a Awake possuía um público pagante maior e esse público iria embora caso eles fossem os últimos a tocar, então, refizemos o sorteio. E, para a nossa tristeza, ficamos de fechar a noite. Do céu ao inferno em apenas dois sorteios.

Das outras bandas eu não me lembro o que assisti, mas a Awake eu posso dizer que, como sempre, arrebentou! Não sei, mas acho que eles usavam as últimas cordas afinadas em ré ao invés de mi (para o leigo em música, basta saber que isso significa gerar riffs mais graves e pesados). Agora some riffs pesados a uma voz feminina poderosa! Isso era a Awake!

Escalados para fechar a noite – não confunda com as bandas que fecham as noites dos grandes festivais de rock, pois no underground fechar sempre foi uma derrota! –, lutávamos contra o tédio e a ansiedade ao mesmo tempo! Curiosamente, fizemos, talvez, o show mais empolgante da noite e também da Alone In The Tour! Aqueles que ficaram até o final do evento curtiram muito o nosso som e a empolgação deles com as nossas músicas era a mesma com as do Iron Maiden, por exemplo. Ao final do show vendemos algumas cópias de Alone In The Dark e as autografamos também!

Enfim... Era uma casa ruim abrigando um evento ruim sob um tempo ruim, mas saímos de lá bastante satisfeitos com a recepção da galera.

Teríamos pela frente pouco mais de um mês e meio sem shows. A próxima apresentação seria no dia 18 de outubro, no festival Rock no Engenho II, com as bandas Awake (novamente), Red Label, Supernova, Holy Profecy e Digitus Infamis, no Clube Italiano, em Niterói mesmo.

O Rock no Engenho II foi mais um daqueles eventos organizados por pessoas que não estão nem aí para o underground e estão mais interessadas em encher seus cofres! Em reunião, ficou estabelecido que cada banda ficaria responsável por vender uma quantidade X de ingressos. Caso não os conseguisse vender, a banda deveria pagar do próprio bolso o valor das entradas.

Ora, queríamos tocar! Não me lembro se conseguimos vender ingressos e nem de onde tiramos dinheiro para “pagar o show”, mas estávamos lá.

Era a segunda vez que a Over Action era escalada para dividir o palco com a Awake. Logicamente, nós integrantes de ambas as bandas já trocávamos algumas ideias; acabou rolando uma amizade ali. E em uma dessas “ideias”, soubemos de algo que jamais imaginamos: Andrea não estava muito satisfeita com o som que vinha fazendo na Awake. Impossível imaginar! Eles eram muito “redondinhos” naquilo que faziam. Para mim, era um exemplo de banda! Mas é como eu sempre digo: quer saber de verdade como está o clima em uma banda? Faça parte dessa banda!

Quem nos assistia também não fazia ideia das discussões, das dificuldades, de nada... Quando estávamos no palco, assim como a Awake, fazíamos o nosso trabalho e ponto. Podíamos mostrar a todos que sabíamos tocar “Phantom Of The Opera” (Iron Maiden) de forma perfeita, mas ninguém ali no público sabia, por exemplo, o quão difícil era trocar os pratos já rachados do Leonardo.

OK, mas sobre a Andrea e a Awake eu tenho muito a dizer um pouco mais para frente. Voltemos ao Rock no Engenho II.  

Para começar, ficamos novamente escalados para fechar a noite... Sabe, acho que a banda pagou caro por ter colocado aquela foto da menina chorando na capa de Alone In The Dark, porque ô azar!

A casa estava lotada, o que pode ser conferido numa pequena (e estranha) resenha da época, feita pela lendária Feira Moderna Zine. Assistimos a todas as bandas daquela noite, mas não lembro do show de nenhuma delas, com exceção da Awake, claro. Preciso dizer que ao subirmos no palco, para lá das 3h da madrugada, apenas 0,1% daquele grande público, incluindo alguns integrantes da Awake, permanecia no local? Ah! Também estava lá o Dr. Christian, que trabalhava com o Rodrigo! Ele filmou o show!

Mesmo assim, fizemos a nossa apresentação e com direito a novidades! É que durante o jejum de shows no mês de setembro, aproveitamos para compor material inédito, já para um futuro novo EP. Tocamos “Spiritual Hole” e “I Like You Dead”, se não me engano.

E é também sobre esses novos sons que falarei no próximo capítulo!

[Continua]    

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

OS BASTIDORES DOS BASTIDORES: A minha história numa banda de Heavy Metal – Parte X


Como havia dito, antes mesmo das resenhas da Road Crew e da Rock Brigade, alguns shows começaram a “pingar” na agenda da Over Action. No dia 4 de julho daquele frutífero 2002, tocamos no Sobradão do Rock, na Lapa, Rio de Janeiro. Nossa primeira experiência fora do eixo Niterói-São Gonçalo.

Uma péssima experiência.

Acho que tocamos para Fabiana – minha namorada na época, com quem hoje sou casado – e mais alguém que não me recordo, talvez a Mariana, então namorada do Leonardo. Foi bem estranho tocar para menos de cinco pessoas, mas fizemos bem o nosso papel. Não há muito o que dizer sobre esse show, sinceramente. Chovia muito e não éramos ninguém para atrair um público sob aquele pé d’água.

Em agosto tínhamos um show marcado para o dia 9, em Nilópolis, RJ. Esse show estava sendo negociado por mim já havia algum tempo com Deiverson Baracho, vocalista da banda de death metal Akael. E sobre esse show eu tenho muito, mas muito a dizer.

Não me lembro de como o Deiverson conheceu a Over Action, mas provavelmente foi por meio de alguma resenha na internet ou fanzine. Ele estava organizando uma noite de metal no Clube Ideal de Olinda, em Nilópolis, e gostaria da presença de nossa banda no line up. Bacana! Mas o underground também é cheio de interesses e o que a Akael queria de verdade era conseguir, através de um esquema conhecido como intercâmbio, uma apresentação em Niterói (ou São Gonçalo).

O intercâmbio era uma negociação de praxe entre as bandas do underground. Funcionava da seguinte forma: Eu tinha uma banda no RJ, mas queria tocar em SP. Então eu convidava uma banda de SP para tocar com a gente aqui no RJ e, em troca, esta banda de SP nos arrumava um show por lá também. Simples assim.

Deiverson soube por mim do “nosso” Bar do Blues e queria porque queria um show da Akael lá. Ótimo! Pedi que me enviasse o material e veria o que conseguia. De qualquer forma, nosso show em Nilópolis já estava confirmado.

A Akael lançara, um ano antes, um CD com nove faixas, o tenebroso Beyond The Mortal Clouds, e foi esse o material que recebi pelos Correios para dar uma conferida. Meu Deus, o que era aquilo? Mostrei ao restante da Over Action e tudo o que conseguimos fazer foi rir. A gravação era ruim demais e as músicas, palavra!, eram as coisas mais esquisitas que já ouvira!

Como conseguir um show com aquele material? “Depois do nosso show em Nilópolis eu resolvo isso”, pensei.

No dia do show, mais uma vez o Santana prata do pai de Rodrigo estaria a nossa disposição. Renato disse que sabia o caminho, então seguimos suas instruções como se ele fosse o nosso GPS. Erramos o caminho algumas vezes e chegamos a parar na entrada de um lugar muito sinistro, onde todos os olhares se voltaram contra nós. “Dá ré, Rodrigo!”, dissemos.

Chegando ao local, não pude deixar de reparar na faixa que anunciava a noite, com duas bandas de death metal (a Akael e uma outra vinda de SP, mostrando que os interesses de intercâmbio de Deiverson eram mais pretenciosos do que eu imaginava) e a Over Action.

Rodrigo parou o carro e logo avistamos um sujeito com uma camisa da Akael.

– Ei! Onde fica o Clube Ideal de Olinda? – perguntamos.

– Vieram para o show da Akael?

– Sim, na verdade somos a Over Action.

– A banda de heavy metal de Niterói? – respondeu o rapaz meio espantado – Pessoal – disse ele agora à multidão de esquisitos parada em frente ao clube –, é o pessoal da Over Action!

Aquelas pessoas começaram a gritar e não dava para entender se queriam dizer “yeah!, nós adoramos o som de vocês!” ou “bandas de heavy metal não são bem vindas aqui!” Eu fiquei com a segunda impressão.

Chegando ao clube, Deiverson nos recebeu e nos instruiu sobre a passagem de som e toda aquela chatice de sempre. Notei que o palco era totalmente revestido em ardósia, o que me fez pensar: “vamos escorregar feito pinguins e o som refletirá como numa casa espelhada”. Logicamente, a bateria de Leonardo deslizava sobre o palco, conforme ele atacava o bumbo. Conversávamos com a organização do evento sobre o problema, mas a solução nos veio da plateia. Um louco arremessou um pedregulho, quase nos atingindo, dizendo: “coloque isso na frente do bumbo, porra!” Se o bumbo apenas deslizasse, tudo bem, mas também estava desafinado, com a pele frouxa.

– Porque o bumbo está tão desafinado? – perguntou Leonardo.

– É para tocar “defão” – respondeu um débil qualquer.

A tempo: “Defão” seria o aumentativo de death metal. Tenso.

Depois da caótica passagem de som, fomos dar uma volta pelo clube. Tinha uma banca que vendia LPs antigos, uma lanchonete podre – como em todo evento underground que se preze – e um banheiro fétido, onde tive o desprazer de flagrar um idiota berrando sozinho, como se estivesse evocando o Diabo. Quando o sujeito me viu, não soube onde enfiar aquela cara cheia de pó de arroz e sombra. Mijei às gargalhadas, logicamente.

O show foi o mesmo que vínhamos apresentando na (entre nós) chamada Alone In The Tour 2002. A galera curtiu, mas não deixou de pedir músicas de death a cada silêncio de nossas guitarras. Um clima bem hostil, mas a gente estava lá, no ninho deles, e, como sempre, fizemos o nosso trabalho.

Fomos embora com a promessa de levar a Akael para um show em nossa área. Coisa que nunca ocorreu.

[Continua] 

terça-feira, 7 de agosto de 2012

OS BASTIDORES DOS BASTIDORES: A minha história numa banda de Heavy Metal – Parte IX


O show de lançamento de Alone In The Dark, no Bar do Blues, foi bem bacana. Não possuo registros do set list daquela noite, mas acho que tocamos as cinco músicas do EP e algumas covers, como “Breaking The Law” (Judas Priest), “Powerslave”, “Phantom Of The Opera”, “The Prisoner” (Iron Maiden), “Seek And Destroy” (Metallica), entre outras.

A banda estava “redondinha”, pois havíamos ensaiado bastante para aquele show. Não me lembro bem quantos EPs nós vendemos após a apresentação, mas sei que vendemos alguns, sim.

Com o EP oficialmente lançado, chegava a hora de divulgá-lo para a imprensa especializada. Mas ainda precisávamos consertar a arte do EP, por conta daquela estúpida coincidência com o CD da Restless. Fui bem rápido nesse processo. Precisava ser.

Lembrei então de uma história muito louca que é a de um pintor italiano chamado Bruno Amadio, que, com o pseudônimo de Giovanni Bragolin, ficou famoso entre as décadas de 1970 e 1980 com uma série de quadros de crianças chorando. Diz a lenda que Bruno fizera um pacto com o Diabo para conseguir vender suas obras; em troca do sucesso, Bruno somente pintaria crianças tristes, em imagens cheias de mensagens subliminares – dizem até que muitas dessas crianças eram retratadas mortas, por conta das pupilas dilatadas.

Minha mãe possuía dois quadros dessa coleção em casa, isso quando eu ainda era muito pequeno. Quando ela ficou sabendo de tal história, os quadros foram parar no lixo. Mas o fato é que esse lance nunca saíra da minha cabeça. Era estranho, perturbador e ao mesmo tempo muito interessante para o marketing de Alone In The Dark, cuja faixa título contava uma história que envolvia uma criança e um pacto.    

Então tive a ideia de ilustrar a capa de Alone In The Dark com um quadro de Bruno, ou melhor, de Giovanni Bragolin. O quadro escolhido retrata uma menina (conforme a letra de Renato e Rodrigo) com olhar vazio, para cima, e chorando. Mas se notarmos bem a imagem, será possível identificar um braço a enforcar a menina. Cruel, não? Mas não tínhamos tempo para uma ideia melhor, então, com a aprovação do restante da banda, mandamos Renato rodar as novas capas.

A capa de Alone In The Dark causou certo rebuliço entre os mais chegados à Over Action. Nossas famílias nem tanto, até porque não tivemos nem o trabalho de explicar a elas tal conceito, pois seria um verdadeiro inferno em nossas casas – até onde sei, nossas mães eram católicas fervorosas, com exceção da mãe de Leonardo, eu acho.  O rebuliço se dava mesmo quando resolvíamos explicar o significado da capa aos amigos. Houve até casos de pessoas que compraram o EP e se recusaram a levar a capa para casa. Dá para acreditar?

Com uma quantidade boa de cópias do EP nas mãos, fiquei encarregado de fazer o envio para as revistas e websites, com release e foto de divulgação (uma foto horrenda, diga-se, tirada no lado de fora do estúdio do Flávio). 

Enviei o material para as revistas Road Crew, Rock Brigade (as mais importantes na época) e mais algumas outras que não me recordo. Enviei também para alguns fanzines, seguindo o conselho de Marcelo Fernandes, o vocalista da lendária Solstício (banda de hard core de Cabo Frio, Rio de Janeiro), que morou um tempo lá em casa, dividindo um quarto com meu irmão.

Passadas algumas semanas do envio – não preciso dizer que todos nós vigiávamos as bancas de jornal atrás de algum retorno, né? –, nossa primeira crítica nos vinha pela conceituada Road Crew, em sua edição de setembro de 2002. Ricardo Batalha discorreu assim sobre a Over Action:

As construções das músicas (...) são muito legais, um Metal bem tradicional e trabalhado. Rodrigo Santos (vocal e guitarra), Luciano Freitas (guitarra), Renato Ferraz (baixo) e Leonardo de Andrade (bateria) formam esta banda que é mais uma prova de que o estilo mais clássico do Metal está ressurgindo com tudo no Brasil. As pontes e refrãos, especialmente na faixa The Winner, são bem interessantes. Sabe o que falta? Correção na pronúncia do inglês, melhor impostação da voz e uma produção com mais nível. Corrigidas as falhas, o Over Action vai ser um grande nome do Metal nacional. Pode apostar!

Apesar das críticas construtivas, ficamos muito felizes com a resenha! E como no EP era o endereço de minha casa que aparecia na aba de contatos, não demorou muito para eu começar a receber uma boa quantidade de cartas sociais (daquelas que saem a R$ 0,01 cada), vindas de todo o Brasil, pedindo uma cópia de Alone in The Dark, que a gente vendia por R$ 5,00. Algumas cartas vinham com uma nota de R$ 5,00 enroladinha dentro. O underground era uma coisa hilária mesmo.

As cartas não paravam de chegar e novas críticas também surgiam na internet. Lembro de um website dar nota 10 para Alone In The Dark em sua resenha. Os fanzines também falaram bem de nosso EP e tudo isso só nos animava a continuar trabalhando.

Mas a crítica mais esperada mesmo era a da revista Rock Brigade. Uma grande besteira, analiso hoje, mas ganhar uma boa resenha da RB, para nós, naquele momento, era como receber uma benção! E se a Road Crew já nos gerara certo reconhecimento na cena, o que esperar como resultado de um elogio da parte da grandiosa RB?

Sabíamos que não seria fácil – uma (excelente) banda chamada Allegro, da qual gostávamos muito, recebera, pouco antes, péssima resenha da RB. E de fato não foi. Em sua edição de novembro de 2002, a RB, por meio de jornalista cujas iniciais são ACM, disse:

(...) Se todos os grandes artistas dizem que “criar é 10% de inspiração e 90% de transpiração”, é porque algum fundo de verdade ela deve ter. Tudo isso para dizer que estamos diante de uma banda esforçada, mas que ainda deve ralar muito em alguns quesitos básicos. A timbragem das guitarras está errada, a execução é primária e a gravação deixa muito a desejar. Mas o principal é que o pessoal não tem a manha de compor músicas legais. Assim, o metal tradicional do quarteto repete todos os clichês possíveis e imagináveis, sem acrescentar nada que tenha a identidade da própria banda. Ou seja, não passa de um grupo bem-intencionado. O que, todos sabemos, é muito, mas muito pouco mesmo. 

Ou seja, um balde de água fria!

Muito, até os dias de hoje, já se foi discutido, entre nós da Over Action, sobre essa resenha da RB. Mas o que fazer naquele momento? Desistir da banda por conta de uma opinião “jornalística”? Ficamos frustrados, sim, qualquer banda ficaria, até porque não concordamos com pelo menos metade daquela resenha.

Alguns dias se passaram e, quando me perguntavam sobre a Rock Brigade, eu dizia: “Foda-se a Rock Brigade! Ainda vejo a galera bater muito a cabeça em nossos shows! Isso sim é um termômetro!”

Antes das citadas resenhas, mais três shows da Over Action tinham ocorrido, mas falarei delas no próximo capítulo.

[Continua]